quarta-feira, 5 de maio de 2010

Poema de um homem duro



Poema de um homem duro
(Tchello Palma)

Eu estou duro.
Não tenho um real.
Estou tão duro,
Que eu vou te dar uma geral.
Lá em casa eu tenho tanto filho,
Que a gente usa o garfo pra comer o sucrilho.
O mais velho come seu cereal molhadinho,
E passa o prato com leite pro irmão mais novinho.
Este, então, joga no prato seu cereal, come e passa para outro
Até completar-se o ritual.
Na hora do almoço, “Tem frango“, começa o alvoroço.
Quem fica com a pele e quem fica com o osso?
Tanta perna de galinha, misturada com pescoço.
E o angu tá sempre com caroço.
Hora da sobremesa! A criançada faz a festa,
Mas quando veem o doce na mesa,
Todas franzem a testa.
Queriam um pudim de leite,
Com calda de caramelo, que ternura.
Mas tudo o que conseguiram foi um
Tijolo de rapadura.
Começa então a balburdia,
Quem vai ficar com o maior pedaço?
O irmão caçula tenta, mas logo leva um pescossaço.
E então eles devoram toda a pedra açucarada,
E a fila do banheiro sai de casa e vai até a calçada.
Acabou o papel? Não faz mal.
Quando roubei o frango, roubei também um jornal.
Chega a noite, o dia passa,
Da-lhe pururuca, da-lhe cachaça.
A mulher chama pra janta,
Eu me levanto rápido e a cabeça gira,
Olho pro prato e quase chamo o Hugo,
Quando vejo o Miojo de galinha caipira.
Vou pro colchão sem jantar, a cabeça latejante.
Me desequilibro ao andar,
E dou com o dedinho no pé da estante.
Ah, quanta dor! Ah, quanta agonia!
E é tanta gente num só quarto,
Tanta louça numa pia.
Mas também, quem mandou eu não fazer mais cômodos,
Ou quem sabe, não ter feito tanta cria?
Me deito, o corpo cansado,
Olho pro meu dedinho, ele tá inchado.
Fecho os olhos e tento relaxar, enfim.
Meu filho apaga a luz do quarto,
E no caminho pro seu colchão,
Pisa em cima do meu rim.
Eu xingo tanto, que pra me acalmar,
Minha mulher sobe em cima de mim.
Acabei fazendo mais um filho,
Acabou sobrando pra mim.
Ah, eu estou duro.
Não tenho um real.
Eu estou tão duro,
Que vou botar todo mundo
Pra vender bala na Marginal.